terça-feira, 11 de agosto de 2009

Capoeira,Chapéus e Abadas

Quando vejo uma roda de capoeira, com a gurizada com seus largos abadas de malha, camisetas com nomes dos tantos e tantos grupos, coloridas cordas de algodão trançadas a quatro fios na cintura, impossível não lembrar dos capoeiristas do século passado.Aqueles, cuja boca da calça, quando abordados pela polícia, não poderia permitir que passasse um limão: era prova de capoeiragem, ou vadiagem, crimes que se equivaliam desde 1890.
Pelo início do século XX, capoeirista que jogava angola vestia terno, geralmente branco. Camisa, de qualquer cor. Sapatos, largos o suficiente para soltarem-se na velocidade necessária para que pudesse segurar uma navalha entre os dedos dos pés. E lenço no pescoço, obrigatoriamente de seda. Jogar angola significava jogar sem deixar cair o chapéu nem sujar o terno branco.
Esta figura, o capoeirista, mesmo vivendo nas condições de maior miserabilidade, em cortiços do Rio, Salvador ou Recife, esteve sempre ligada à celebração da vida, ao viver intensamente, fator gerador e determinante da construção da idéia de malandragem. É a contra-ordem da ordem, de quem aprendeu no tronco à base da chibata a sobreviver. Por isto o capoeirista apavorou tanto no pós-abolição.
Eram as elites brasileiras, recém saídas do escravismo, aprendendo a explorar os imigrantes europeus chegando para ocupar as vagas oferecidas pelo novo sistema produtivo necessário ao capitalismo nascente. E o que fazer com a imensa massa de negros vadiando pela cidade, com fome e sem emprego? melhor fazê-los pensar que tinham algo, nem que fosse a pequena liberdade de ir e vir. E a própria vida para jogar, entre eles mesmos.
A contribuição do imaginário popular à capoeira misturou suas características com as do malandro, sedutor, cheio de glamour e que tem saídas espertas para todas as situações. Na verdade, não existe glamour nenhum em morrer cego e pobre, como Mestre Pastinha, Ou pobre e abandonado, como mestre Bimba, que arrancou de Getúlio Vargas a descriminalização da capoeira. Ou como tantos outros anônimos que até hoje se recusam a fazer da capoeira empresas comerciais, e levam a sério seus fundamentos. Tão a sério que continuam nas periferias, ensinando com glamour e dedicação o que só os herdeiros de Bimba e Pastinha conseguem transmitir.
Regina Abrahão


Estudante de Ciências Sociais UFRGS – Capoeirista Olufé Capoeira RS , Mestre Bolívar

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